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27 Maio 2014 às 15:37

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SIDC : Nome civil - comentário


Publicado dia 27/05/2020 às 03:37


Autora: Cândida Carvalho

O nome das pessoas prestou-se sempre pouco à regulamentação rígida do Direito escrito, não tendo sido objeto senão de leis pouco numerosas e submetendo-se melhor à flexibilidade dos costumes.
Com o movimento das grandes codificações modernas adquiriu-se consciência do que o nome representa no Direito.
Por outro lado, as pessoas individualizam-se e afirmam-se pelo nome que usam. E a assimilação entre a pessoa e o respetivo nome é tão intrínseca, que as qualidades e defeitos de cada um se associam ao respetivo nome. Daqui nasce o reconhecimento do direito de afirmação e defesa do nome de uma pessoa.
Por um lado, há um interesse público ligado com o nome, que ao Estado importa preservar e defender. Trata-se de uma necessidade social a individualização dos cidadãos através do nome, necessidade essa tanto mais urgente quanto mais numerosa se vão tornando as diversas sociedades e quanto mais se alargue o leque dos fins que o Estado se proponha prosseguir, sejam eles estatísticos, eleitorais, fiscais, de repressão criminal, entre outras .
Desta forma, ao lado do direito que assiste a todo o cidadão de usar, o seu próprio nome, impõe-se-lhe a obrigação de o possuir e conservar e não o alterar de forma arbitrária.
Contudo, não é unanime a perceção dos autores quanto à existência de um direito ao nome. Josserand afirma que o nome não é mais do que uma marca que serve para identificar os indivíduos. Escriche diz que o apelido é apenas um sinal do facto da descendência, não constituindo, por si mesmo, um direito . É um facto que o nome ou os apelidos são sinais ou marcas, embora não se siga a teoria da inexistência do direito ao nome. O nome é o próprio conteúdo do direito em análise, tal como a propriedade não é o conteúdo do direito de propriedade.
Diversas são, porém, as teorias formuladas sobre a natureza do direito ao nome das pessoas, como a teoria do direito de propriedade, a teoria do nome obrigação e instituição de polícia e a teoria do nome como um direito de personalidade, a qual vamos apreciar de seguida.
A teoria que considera o nome como um direito de personalidade assinala que o aspeto jurídico do nome tem mais o carácter de direito que o de obrigação. E porquê um direito de personalidade?
Não existe ordenamento legal que não reconheça, como primeiro direito de toda a pessoa humana, o direito de um ser humano se distinguir dos demais. E, desde logo se alcança o interesse e a importância a atribuir à distinção da personalidade, pois o Direito assenta no conceito de relação jurídica e pressupõe, como seus elementos integradores, pessoas determinadas . Adquirida a personalidade no momento do nascimento logo desponta para toda a pessoa jurídica a necessidade da sua distinção.
E como é que se realiza essa distinção? Uma das formas será o nome que, dada a sua natureza, provém da própria personalidade, como outros direitos da mesma natureza, como o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, à imagem, à integridade física e moral da pessoa.
Não é lícito confundir o direito ao nome e os demais direitos de personalidade com o conceito de personalidade. O direito ao nome não é a personalidade, ela própria, mas apenas um dos elementos necessários para a sua exteriorização.
Uma das exteriorizações da personalidade tuteladas pelo Direito é a honra; na conceptualização jurídica desta última diferencia-se geralmente um aspeto subjetivo ou interno, que é o sentimento da própria dignidade moral nascido da consciência das virtudes do seu titular, e um aspeto objetivo ou externo, dado pela apreciação e consideração dos outros relativamente ao valor social de cada um .
No Direito e na doutrina jurídica portugueses, o conceito de bom nome recebe uma dupla qualificação. É, por um lado, um dos direitos fundamentais e, por outro, um dos direitos de personalidade.
Segundo Miguel Pedrosa Machado é enriquecedora, a ideia que subjaz a esse diálogo categorial ou meramente classificativo, é a reflexão de que a “Ciência do Direito” se deixou de ocupar de pessoa apenas no sentido de uma “qualidade jurídico-normativa”, e procura um conceito que expressa não só uma das possíveis “valências” ou predicações de que a pessoa, enquanto sujeito jurídico, é suscetível, mas a “valência” e a “existência” do homem .
A proteção constitucional do bom nome e reputação em sede de direitos fundamentais consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado ou na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação .
Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos, nomeadamente, a liberdade de informação e de imprensa. No contexto constitucional português, os direitos em conflito devem considerar-se como princípios suscetíveis de equilíbrio nos casos concretos.
Para Jorge Miranda, o direito ao bom nome e à reputação consiste na proteção da consideração social que é devida a todas as pessoas. É um direito à honra, à honorabilidade, ao crédito pessoal, que, uma vez atingido, afeta de forma direta a dignidade das pessoas. Daí a sua especial força normativa, que se projeta aos mais diversos níveis da tutela jurídica, incluindo a proteção civil e penal. Essa consideração social devida que consubstancia o direito ao bom nome e à reputação é suscetível de ser afetada de diferentes modos e pode ter consequências diversas de índole pessoal, profissional, patrimonial ou outra cuja gravidade permite medir o próprio grau de ofensa do direito .
Qualquer cidadão goza dos direitos fundamentais à integridade pessoal, na sua componente da integridade moral, e ao bom nome e reputação – artigos 25º, nº1, e 26º, nº1, da Constituição da República Portuguesa .
Beleza dos Santos caracterizou honra e consideração do seguinte modo: «A honra refere-se ao apreço de cada um por si, a auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que foram ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social.» .
Maria Paula Andrade considera que «a honra surge como um bem jurídico complexo, com uma vertente interna, que depende exclusivamente do seu titular e que se traduz num sentimento de auto-estima e amor próprio que verdadeiramente nunca desaparece pese embora as lesões que possa sofrer de terceiros; e – por outro lado – com uma vertente externa – que nasce do convívio com os demais e que é o respeito e a consideração gerados pelas acções de cada um […] o bom nome não surgirá necessariamente como categoria à parte, embora conglobe – simultaneamente – as duas vertentes, interna e externa, da honra […]» .
A autonomia da proteção civil desta matéria, em sede de direitos da personalidade, está formalmente garantida através dos artigos 70º e seguintes do Código Civil.
Nos termos no art.70ºCC a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral e independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular, o que em certa medida constitui um desvio à regra do art.68ºCC.
Segundo o art.72ºCC, toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para a sua identificação ou outros fins. O direito ao nome desdobra-se em duas faculdades, a de usar um nome e a de se opor a que outrem o use, quer para se identificar, quer para outras finalidades .
O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma atividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as providencias que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito. O uso ilícito do nome por parte de terceiro pode ter lugar, quer pelo seu uso pessoal, quer pela sua aplicação a quaisquer objetos, coisas ou personagens, mesmo fictícias, quer pela utilização par outros fins.
As ações relativas à defesa do nome podem ser exercidas, de acordo com o art.73ºCC, não só pelo respetivo titular, como, depois da morte dele, pelas pessoas referidas no nº2 do art.71CCº.
O pseudónimo, quando tenha notoriedade, goza da proteção conferida ao próprio nome, nos termos do art.74ºCC. Deve considerar-se como pseudónimo a alcunha, quando a pessoa faça uso dela. Trata-se de um nome diferente do verdadeiro nome .
Nos termos do Código do Registo Civil, o nascimento ocorrido em território português deve ser declarado verbalmente, dentro dos vinte dias imediatos, em qualquer conservatória do registo civil ou, se o nascimento ocorrer em unidade de saúde onde seja possível declarar o nascimento, até ao momento em que a parturiente receba alta da unidade de saúde (art.96ºCRC). A declaração de nascimento compete, nomeadamente, aos pais ou a outros representantes legais do menor ou a quem por eles seja, para o efeito, mandatado por escrito particular, sem prejuízo das restantes alíneas do art.97ºCRC.
Tem competência para lavrar o registo de nascimento qualquer conservatória do registo civil, a unidade de saúde onde ocorreu o nascimento ou aquela para onde a parturiente tenha sido transferida, desde que seja possível declará-lo na unidade de saúde. Além dos requisitos gerais, o assento deve conter os elementos referidos no art.102ºCRC, nº1, como por exemplo, o nome próprio e os apelidos, o sexo e a data do nascimento, incluindo, se possível, a hora exata.
No que respeita à composição do nome, o nome do registando, nos termos do art.103ºCRC, é indicado pelo declarante ou, quando este o não faça, pelo funcionário perante quem foi apresentada a declaração.
O nome completo deve compor-se, no máximo, de seis vocábulos gramaticais, simples ou compostos, dos quais só dois podem corresponder ao nome próprio e quatro a apelidos, devendo observar-se, na sua composição, que os nomes próprios devem ser portugueses, não devendo suscitar dúvidas sobre o sexo do registando. Embora, sejam admitidos nomes próprios estrangeiros sob a forma originária caso o registando for estrangeiro, houver nascido no estrangeiro ou tiver outra nacionalidade além da portuguesa; ou ainda quando algum dos progenitores do registando for estrangeiro ou tiver outra nacionalidade além da portuguesa. A irmãos não pode ser dado o mesmo nome próprio, salvo se um deles for falecido. Os apelidos são escolhidos entre os que pertençam a ambos ou só a um dos pais do registando ou a cujo uso qualquer deles tenha direito, podendo, na sua falta, escolher-se um dos nomes por que sejam conhecidos.
O nome fixado no assento de nascimento só pode ser modificado mediante autorização do conservador dos Registos Centrais, salvo exceções presentes no art.104ºCRC, nº2, como a alteração fundada em estabelecimento da filiação, adoção, sua revisão ou revogação e casamento posterior ao assento.
Relativamente ao registo de abandonados, ao abrigo do artigo 105ºCRC, consideram-se abandonados os recém-nascidos de pais desconhecidos que forem encontrados ao abandono em qualquer lugar e, bem assim, os indivíduos de idade aparente inferior a catorze anos, ou dementes, cujos pais, conhecidos ou não, se hajam ausentado para lugar não sabido, deixando-os ao desamparo. Neste caso, compete ao conservador atribuir ao registando um nome completo, devendo escolhê-lo de preferência entre os nomes de uso vulgar ou derivá-lo de alguma característica particular ou do lugar em que foi encontrado, mas sempre de modo a evitar denominações equívocas ou capazes de recordarem a sua condição de abandonado e sem prejuízo do disposto no nº2 do art.103ºCRC. Na escolha do nome deve, todavia, respeitar-se qualquer indicação escrita encontrada em poder do abandonado, ou junto dele, ou por ele próprio fornecida.
Caso haja o desejo de alterar a composição do nome fixado no assento de nascimento deve ser requerida a autorização necessária, em requerimento dirigido ao conservador dos Registos Centrais. O requerente deve justificar a pretensão. E quando o interessado for maior de dezasseis anos, deve, no âmbito do art.278ºCRP, nº2, apresentar um requerimento para obtenção de certificado de registo criminal, nos termos do regime jurídico da identificação criminal.
Ao nome dos indivíduos a quem seja atribuída a nacionalidade portuguesa são aplicáveis as regras legais em vigor acerca da composição do nome. E, caso assim o pretendam, aqueles a quem for atribuída a nacionalidade portuguesa podem manter a composição originária do seu nome .
Já nos casos em que há a intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa pode o interessado requerer o aportuguesamento dos elementos constitutivos do nome próprio, a conformação do nome completo com as regras legais portuguesas ou, se já tiver assento de nascimento lavrado no registo civil português com nome diverso daquele que usa, a adoção desse nome. Caso não seja possível o aportuguesamento por tradução, ou a adaptação se mostrar inadequada, o interessado pode optar por um nome próprio português .
Os apelidos e o (s) nome (s) próprio (s) do titular são inscritos no cartão de cidadão em harmonia com os vocábulos gramaticais que constam do respetivo assento de nascimento. No primeiro pedido de cartão de cidadão, se do assento de nascimento constar apenas o nome próprio do titular, no cartão de cidadão devem ser igualmente inscritos os apelidos que o titular tiver usado em atos ou documentos oficiais. Ao nome da mulher casada antes de 1 de Janeiro de 1959 podem acrescentar-se os apelidos do marido por ela usados. As escolhas de composição do nome devem ser prontamente comunicadas pelo serviço de receção à entidade responsável pela gestão da base de identificação civil para execução das pertinentes atualizações .

Bibliografia:
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LIMA, Pires de, VARELA, Antunes – Código Civil Anotado Vol. I. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1987.
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